Comentários às leituras do Domingo

V Domingo da Quaresma, ano A

Leituras: Ez 37, 12-14; Sl 129/130; Rm 8, 8-17; Jo 11, 1-45.
Comentario de Ir. Anne Catherine Avril, nds

Bom dia a todos. Estamos caminhando rapidamente sentido à Semana Santa e à Páscoa. Se lembrarmos os domingos que passaram, veremos uma bela continuidade. Jesus com a samaritana, isto é, Jesus: fonte de água viva. E agora, no episódio da ressurreição de Lázaro, Jesus é a Vida e a Ressurreição.
Eu começo com a leitura de Ezequiel 37: os ossos secos. “Assim fala o Senhor Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei de fixar-vos na vossa terra.”
Esta passagem é interpretada pela tradição judaica não segundo a ressureição dos mortos, mas a “ressurreição” após o exílio, o retorno do povo à terra. É interessante porque esta passagem se encontra escrita numa das paredes do Memorial do Yad Vashem (o Museum da Shoah). Entretanto, a tradição judaica faz uma ligação importante entre a terra de Israel e a vida eterna. A terra é um sinal da vida após a morte. E a palavra “repouso” (menukha, em hebraico) segue o mesmo sentido. Aliás, o Senhor diz: “infundirei em vós meu espírito”, e há somente um Espírito de Deus: aquele que o Senhor sopra sobre suas criaturas é o espírito de Deus e não pode morrer.
No episódio da ressurreição de Lázaro (João 11), eu ressaltarei algumas passagens. “E Jesus permaneceu por dois dias no lugar em que ele se encontrava…” antes de encontrar-se com seu amigo que estava muito doente, prestes a morrer.
Bem, na tradição judaica tomamos quase todas as menções de “três dias” e lhe colocamos em relação à ressurreição dos mortos, fazendo referência à Os 6,2: “Venham, voltemos para o Senhor. Ele nos despedaçou, mas nos trará cura; ele nos feriu, mas sarará nossas feridas.
Depois de dois dias ele nos dará vida novamente; ao terceiro dia, ele nos restaurará, para que vivamos em sua presença.” Portanto, se João considerou importante citar os “dois dias” é sinal de que ele vê na ressurreição de Lázaro uma alusão à ressurreição de Jesus no terceiro dia, pois é no terceiro dia que Jesus se aproximará de Lázaro, já morto.
Bem, há duas vezes no relato que nos diz que Lázaro ficou quatro dias no túmulo.
Esta também é uma adaptação de João. Não poderia ser três dias, porque senão, sua ressurreição já seria a ressurreição definitiva. Ora, Jesus será o primeiro a ressuscitar no terceiro dia, segundo as Escrituras. Portanto, Lázaro infelizmente teria de morrer novamente. Mas sua ressurreição já anuncia a morte e ressurreição de Jesus.
E o que confirma isto é o que precede o relato: «Senhor, o teu amigo está doente».
Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem». Ora, a glória de Deus é manifesta na Cruz de Cristo. Sua divindade se manifesta no extremo de sua humanidade: sua morte de cruz.
E, no capítulo seguinte (12), vemos um momento de angústia de Jesus. Jesus diz: “Minh’alma está angustiada, o que ainda direi?”. E ele se recompõe e diz: “É para esta hora que eu vim, uma voz vem do céu e diz: ‘Eu o glorifiquei e o glorificarei novamente.'” Portanto, temos novamente aí uma alusão à sua glorificação pela morte. E, veremos no final do relato que Jesus dá graças a Deus por ter respondido à ressurreição de Lázaro. Portanto, ele reestabelece com seu Pai este poder de Deus sobre a morte. Pois Ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos.
Eis outro elemento que eu gostaria de ressaltar: há duas retomadas.
Quando Jesus vê que as duas irmãs e amigos de Lázaro se lamentam e choram, e, sobretudo, quando Maria e Marta dizem a Jesus: “Se você estivesse aqui antes, meu irmão não estaria morto”. O Evangelho diz que Jesus estava profundamente angustiado.
Bem, a expressão grega utilizada significa “indignação” e “cólera”. Como explicar isto? Poderíamos dizer que espontaneamente a reação de Jesus é de ficar irritado com a falta de fé deles. E, algumas vezes, vemos isto no Evangelho, Jesus diante da incredulidade dos discípulos. “Vós ainda não compreendestes” Num primeiro momento, podemos dizer que Jesus estava de fato irritado, indignado, decepcionado. Não sei se Jesus já esteve de fato decepcionado conosco, mas talvez sim, humanamente falando. E, ele se recompõe e chora, deixa-se tomar pela emoção e compaixão, juntamente com seus amigos e conhecidos. Eu diria que seria uma manifestação de sua divindade e sua humanidade. Ele é humano até o fim, e é aí que se manifesta sua divindade. E ele é divino até o fim, e é aí que ele se mostra profundamente humano. Por isto esta passagem é importante.
E o Salmo faz a ligação entre as duas leituras: “Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor…” Jesus penetra conosco no interior de nossos abismos, e no fundo de nossos abismos ele clama ao Pai, se identificando conosco num movimento de confiança. “Eu confio no Senhor, a minha alma espera na sua palavra.”
Aqui temos dois verbos em hebraico que exprime a esperança: um que deu origem à palavra “tikvah”, mostrando a direção da esperança. E também “Yahel” que quer dizer uma espera desejosa, uma espera que deseja, que aspira. “Porque no Senhor está a misericórdia e com Ele abundante redenção. Ele há de libertar Israel de todas as suas faltas.”
Portanto, Jesus se dá o trabalho de entrar no abismo das consequências de nossos pecados, e, desta forma, somos libertos, salvos e perdoados.
Termino com a carta aos Romanos 8. Evidentemente a relação é bastante clara, pois há cinco vezes a expressão “Espírito de Deus”. “Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. ” “…embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós.”
Podemos claramente lembrar da primeira leitura: “Infundirei em vós o meu espírito e vivereis”. E eu me pergunto por quê quando se fala do Espírito de Deus no Antigo Testamento, se escreve com “e” minúsculo, e quando se trata do Espírito no Novo Testamento, coloca-se “E” maiúsculo, como se tivesse falando de “dois espíritos”.
No meu ponto de vista, os dois mereceriam ser escritos com letra maiúscula. Há somente um Espírito de Deus. Então, que caminhemos confiantes em direção à Páscoa e que, em união com as provas e cruz de Cristo, que também por meio de cada prova que temos em nossas vidas, a sua glória possa ser manifestada.
Bom final de quaresma e já desejo bom domingo de Ramos, antes de celebrar a Páscoa.

Tradução do francês por Ir. Joel Moreira, nds